Apesar de um pouco ausente, a nossa amiga Gabi Ferri (@gabiferri24) também não nos abandonou. Segue mais um texto de excelente qualidade da nossa colaboradora.

O Escritor Fantasma
A profissão de jornalista é mesmo ingrata. Prova disso são os “ghost writers” (ou escritores fantasmas), que escrevem silenciosa e sigilosamente livros, trabalhos, teses, e diversos outros tipos de textos para pessoas que não tem tempo de fazê-lo, ou realmente não sabem como fazê-lo. Como o jornalista Luiz Zanin Oricchio, do jornal O Estado de São Paulo, muito bem define, “Ghost writers são seres anônimos que escrevem para a glória alheia”.
A tradição é antiga. Há indícios de que o famoso escritor francês Alexandre Dumas (1802 – 1870) já utilizava os serviços desses escritores para publicar suas novelas nos periódicos da época. Provavelmente você, que já leu alguma de suas obras, não vá acreditar no que está escrito aqui. Mas é fato que Dumas escrevia tanto e tão freneticamente em sua época (vale lembrar que os livros eram manuscritos), que seria impossível escrever tanto e em tão pouco tempo.
Toda essa história que acabei de contar lhe parece sem sentido? Pois não é. Não quando o filme do qual vou falar é O Escritor Fantasma, estrelado por Ewan McGregor (Moulin Rouge – Amor em Vermelho, Star Wars episódios I, II e III) e Pierce Brosnan (tem no currículo quatro filmes da franquia 007 e também, mais recentemente, Percy Jackson e os Olimpianos: O Ladrão de Raios). A direção é assinada pelo brilhante Roman Polanski, que recebeu o Oscar de Melhor Diretor em 2002 pelo filme O Pianista.
A carreira de Polanski é recheada de polêmicas devido a uma condenação por intercurso sexual ilegal com menores nos Estados Unidos, em 1977, o que o fez fugir para a França e nunca mais pisar em solo norte-americano. Tal fato fez, também, com que todos os seus filmes, a partir de então, fossem rodados na Europa. É claro que isto não prejudica Polanski: ao contrário, parece fertilizar ainda mais seu gênio criativo.
Em O Escritor Fantasma, produzido após sua prisão na Suíça, Polanski roda o filme de forma bastante empática, traduzindo nas cenas da residência isolada em uma ilha a sensação de clausura da prisão domiciliar. O clima de tensão e inquietação é constante, e lembra em muito outra obra do diretor: O Bebê de Rosemary (1968).
No filme, o escritor fantasma vivido por McGregor (um personagem sem identidade revelada) é contratado para terminar a biografia de um importante político britânico. A contratação acontece porque o ghost writer anterior aparece misteriosamente morto, deixando apenas o esboço de uma obra que tem o objetivo de limpar a imagem do ex-primeiro ministro Adam Lang (Brosnan), agora acusado de cometer crimes de guerra. O tal livro, aliás, aparece tanto no filme e tem tanta importância para os envolvidos em sua produção, que acaba sendo um personagem à parte, com papel dúbio, sendo protagonista e antagonista ao mesmo tempo.
O roteiro é uma adaptação do livro homônimo de Robert Harris, trabalho conjunto do próprio autor com Polanski, gerando não apenas um filme de grande qualidade, como também uma oportunidade de repensar a essência do ser humano e dos meios que utiliza para alcançar determinados objetivos em benefício de si próprio.
Pierce Brosnan, aliás, talvez tenha feito a melhor atuação de sua carreira neste filme. A fala macia, sedutora, conquista qualquer pessoa e convence de que Lang é uma vítima das circunstâncias políticas vividas pelo país que comandava. Mesmo execrável, o personagem é capaz de fazer com que qualquer ser humano venda sua alma para salvá-lo. O curioso, no entanto, é que há apenas duas cenas em que Brosnan se permite rir – um riso tenso, nervoso, que prevê exatamente o destino que o aguarda.
McGregor submerge nesse universo de isolamento, tensão e mistério. A cada descoberta, percebe que seu envolvimento no projeto se tornou algo perigoso, inclusive para a própria vida. A trama se desenrola de forma tal que o “ponto de impacto” acontece apenas nas últimas cenas. Uma ótima pedida para quem curte um clima hitchcockiano, com doses homeopáticas do mistério de Agatha Christie.
Obs.1: Após assistir ao filme, sugiro que assistam aos extras. Há detalhes curiosíssimos da produção, além de entrevistas com Robert Harris e Roman Polanski que fazem valer cada segundo de atenção dispensada.
Obs.2: No último sábado, dia 04, em Tallin (Estônia), o thriller recebeu seis prêmios no European Film Awards, dentre eles Melhor Diretor e Melhor Roteirista para Polanski, e Melhor Ator para Ewan McGregor. Em fevereiro, o cineasta havia recebido o Urso de Prata de melhor diretor, no Festival de Berlim, pelo mesmo filme.
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